[ECONOMIA VERDE]
Vento da discórdia Parques eólicos sofrem resistência no Nordeste
GISELE NEULS
GISELE NEULS
O mercado da energia eólica não para de crescer em todo o mundo. Por aqui, sua participação na matriz elétrica deve pular dos atuais 0,5% para 5,4% em dois anos, quando os parques eólicos passarão a entregar mais de 7 mil megawatts (MW) ao sistema nacional. Ainda é pouco, se comparado com os 25 mil megawats de capacidade instalada na China, segundo maior produtor de energia eólica no mundo. Mas, pelas estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no ritmo atual a produção eólica brasileira poderá passar dos 11 mil MW já em 2016. A boa notícia, entretanto, tem sido ofuscada por denúncias de desrespeito às comunidades litorâneas e de impactos negativos no ambiente costeiro.
Os problemas parecem mais acirrados no Ceará e chamaram a atenção da organização internacional Carbon
Trade Watch, que publicou em maio um
relatório sobre os impactos da tecnologia
nas comunidades costeiras [1].
As usinas cearenses detêm mais da metade
da potência instalada no País. Os atuais 518 MW de potência instalada no estado pularão para
1.818 MW até 2016, quando entram em
operação os contratos feitos nos leilões da
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de 2009 a 2011. O investimento total é de R$ 6,3 bilhões, com
participação importante de investidores
portugueses e espanhóis. São 69 usinas com energia contratada nos leilões,
distribuídas em 17 parques eólicos.
Maria do Céu de Lima, coordenadora do
Laboratório de Estudos Agrários e Territoriais na Universidade Federal do Ceará (UFC), diz que a construção
das plantas eólicas segue a mesma lógica
dos grandes empreendimentos hidrelétricos
da Amazônia. “A condição de instalação e localização desrespeita o que há de mais elementar do ponto de vista
dos direitos das comunidades”, afirma.
Erguidas nos pontos mais altos das dunas, várias construções bloqueiam o acesso
dos pescadores a lagoas, praias e até
mesmo a locais comunitários como cemitérios.
Em um artigo publicado recentemente na Revista
FrancoBrasileira de Geografia, Antônio Jeovah de Andrade Meireles, do Laboratório de Geoecologia da Paisagem da
UFC, mostra uma série de impactos
ambientais provocados no litoral cearense. Entre os problemas estão construções em área de
preservação permanente, desmatamento e
terraplanagem em dunas fixas, compactação de
dunas móveis, aterramento de lagoas sazonais, impermeabilização e compactação do solo e alterações na
dinâmica de lençóis freáticos [2].
Para o pesquisador, faltam monitoramento integrado e análise dos impactos cumulativos das dezenas de plantas
eólicas espalhadas pelo litoral. Ou
seja, a energia é limpa, mas os parques eólicos estão sujos. “É isso mesmo, as
plantas estão sujas porque não houve
discussão com as comunidades que iriam passar 20 anos do lado delas”, reconhece Adão Linhares Muniz,
representante da Associação Brasileira
de Energia Eólica (ABEEólica) na Câmara Setorial de Energia Eólica do Ceará. Quando as primeiras
usinas chegaram, no início da década de
2000, diz ele, vieram pelas mãos de investidores que não conheciam a realidade local e não
perceberam a importância de dialogar com
as comunidades. “A presença daquele monstro
não foi combinada nem mesmo com as administrações municipais”, afirma. Os municípios não foram preparados
para entender os impactos negativos,
tampouco os positivos, como aumento na
arrecadação do ICMS e do Fundo de Participação dos Municípios. Na época,
a reboque do apagão, o estado flexibilizou a legislação para acelerar o processo de instalação de
pequenas centrais elétricas a carvão,
passando a pedir apenas um relatório simplificado de impactos, regra que valeu também para as
eólicas. Mas Muniz diz que isso está mudando. Por meio da Câmara Setorial,
empresários e governo estão
estabelecendo regras mais claras de licenciamento ambiental, nos mesmos moldes exigidos de
outros empreendimentos, como os estudos
e relatórios de impacto ambiental, estudos
arqueológicos e patrimoniais. Muniz também afirma que, junto com a ABEEólica, o setor está investindo em
campanhas de esclarecimento nos
municípios e em diálogo com as comunidades.
Para Camila Garcia, do Instituto Terramar, não é o
suficiente. As comunidades precisam de
benefícios imediatos e de uma revisão séria
na relação das empresas com as populações locais. Segundo ela, o cenário ideal seria aquele em que as
populações costeiras fossem ouvidas
desde o processo de planejamento dos parques eólicos. “É necessário que o conhecimento tradicional das
comunidades sobre o ambiente influencie
a construção das novas plantas.”